Entre o que comemos e o que devíamos comer ainda existe uma grande distância. Convidámos um verdadeiro especialista para nos ajudar a encurtá-la, numa altura que manter uma alimentação saudável em casa é mais importante do que nunca.
Fizemos cinco perguntas ao nutricionista Miguel Godinho, parceiro habitual do À Roda da Alimentação, para pormos alguns pontos nos ‘is’ e relembrar várias das matérias que temos abordado por aqui.
As respostas são agora ainda mais pertinentes, num contexto de isolamento social que pode ser um estímulo ao consumo alimentar excessivo e de má qualidade nutricional, juntamente com outros fatores de risco, como por exemplo o sedentarismo e o stresse emocional.
1 – Quais são, a seu ver, os três maiores erros na alimentação dos portugueses?
Portugal é um país onde a alimentação saudável deveria ser adotada de forma inequívoca porque temos todas as condições:
- matérias-primas vegetais de grande qualidade, fresca e de produção local amplamente disponíveis no mercado;
- grande variedade de pescado de elevada qualidade;
- e fruta fresca que varia com a sazonalidade.
No entanto, a população afastou-se da cozinha. Consumir refeições equilibradas e de qualidade implica comprar boas matérias-primas, dedicar tempo e esforço a transformar e a cozinhar esses alimentos, e esse esforço não encaixa nas rotinas de muitos.
Chegamos assim aos três erros que considero mais graves na alimentação dos portugueses (independentemente da gastronomia e hábitos de consumo locais): excesso de sal, de gordura e de açúcar.
2 – E que aspetos positivos se destacam nos nossos hábitos alimentares?
Temos alguns hábitos muito curiosos que são uma mais-valia para a nossa saúde. Começo pelo mais óbvio: a Sopa!
Este produto existe (pelo menos com esse nome) noutras partes do globo, no entanto, o nosso conceito é único.
A mistura rica de vegetais e leguminosas, cozidos e triturados no seu próprio caldo, é algo que só os portugueses fazem e consomem com grande regularidade.
Embora o processo térmico (ferver a sopa) retire algumas vitaminas do interior dos vegetais, estas ‘escapam’ para a água, que não sendo desperdiçada assegura que este alimento é uma fonte importantíssima de vitaminas na nossa alimentação.
Ainda que haja margem de progressão nesta matéria, Portugal também é um país com um consumo de pescado muito elevado, quando comparado com outros países da Europa.
Por último, tenho de referenciar algo que parece óbvio para nós portugueses, mas não o é em todo o mundo. A utilização (quase) exclusiva do azeite como gordura.
Este é um ingrediente com características muito interessantes, tanto a nível químico como nutricional.
É uma gordura que é composta maioritariamente por ácidos gordos monoinsaturados, principalmente ácido oleico.
Graças à presença de vitamina E e de polifenóis, o consumo de azeite pode prevenir problemas cardiovasculares.
3 – Por onde é que alguém que queira adotar uma alimentação mais saudável deve começar?
Cada caso é um caso. A mudança pode ser mais ou menos radical, consoante os hábitos de cada um.
Mas creio que existem alguns pontos que todos podemos aprender, trabalhar e melhorar, nomeadamente, aprender a ler rótulos alimentares.
Muitas vezes os critérios de escolha que utilizamos são o preço e as características organoléticas dos alimentos e deixamos a composição nutricional para segundo plano. Outros há que olham para os rótulos, mas têm dificuldade em interpretar a informação.
Numa consulta de nutrição ou em ações de formações promovidas por nutricionistas é possível aprender algumas técnicas simples que permitem comparar os alimentos através dos seus rótulos e fazer escolhas alimentares mais conscientes, informadas e saudáveis.
Aprender a cozinhar – o regresso às origens – também é fundamental! Aprender a escolher matérias-primas frescas, técnicas de cozinha, planear refeições, interpretar e adaptar receitas, tornando-as mais saudáveis…
Por último, é importante modificar algumas escolhas e reduzir quantidades de alimentos que consumimos, como é o caso do açúcar.
4 – Qual deverá ser o papel da proteína animal na nossa alimentação?
Não defendo que sejamos todos vegetarianos, mas devemos equilibrar o consumo de proteína animal e aumentar o consumo de hortícolas.
Em tempos de menor abundância de carne, as fontes vegetais eram utilizadas para suprir as necessidades diárias de proteína.
Hoje, graças a globalização, podemos fazê-lo com uma enorme variedade de alimentos antes inacessíveis. Podemos alternar entre as leguminosas que sempre existiram no país, como o feijão, grão, ervilhas e favas, e outros produtos mais recentes no mercado, como o bulgur, a quinoa e os cereais integrais.
A alimentação saudável deve ser variada, completa e equilibrada e, na minha opinião, nunca foi tão fácil fazê-lo.
5 – O horário das refeições é importante ou devemos comer quando temos fome?
Esta é uma questão controversa no meio científico, porque existem publicações que sustentam a necessidade de comer com intervalos entre duas a três horas, bem como outras fontes que citam a necessidade de fazer apenas três refeições ao longo de todo o dia, ou ainda estudos que comprovam os benefícios do jejum intermitente.
Geralmente, para perda de peso e tratamento de alguma patologia específica, como a Diabetes Mellitus, a pessoa deve fazer 5 a 6 refeições diárias, ou seja, comer em intervalos não superiores a 3 horas.
Por outro lado, a Organização Mundial da Saúde aponta que não existem evidências científicas suficientes que sustentem a hipótese de que uma frequência alimentar superior a 3 refeições por dia possa estar relacionada com um peso inferior num adulto ‘saudável’.
Perante a inexistência de um consenso científico para emitir uma opinião que se aplique de forma generalizada à população, recomendo procurar um nutricionista para perceber o que melhor se aplica em cada caso.
Miguel Godinho é licenciado em Ciências da Nutrição pelo Instituto Superior de Ciências da Saúde Egas Moniz e Project Manager da Nutrialma.
Autor
À Roda da Alimentação